Quando
se fala em inteligência predial, normalmente ocorre certa confusão com o termo.
Na maioria das vezes a primeira associação feita é com os sistemas de automação
predial, como controle de iluminação e ar condicionado. Ou então se imagina
algum tipo novo de tecnologia para construção de edifícios. Boa parte da
responsabilidade dessa confusão é comercial. Desde que o termo foi criado, na
década de 80, seu sentido original foi se perdendo, passando a ser usado para
definir qualquer construção que possuísse algum tipo de inovação tecnológica ou
sistema automatizado. Não existe, contudo, relação direta entre a tecnologia
utilizada e a real inteligência de um edifício.
Inteligência
predial pode ser definida como a integração e otimização das partes que compõe
um edifício, ou seja, sua estrutura, arquitetura, sistemas (iluminação,
ventilação, etc.) e gerenciamento, visando obter economia, segurança e
conforto. Não se trata, portanto, de nenhuma tecnologia específica, já que
engloba inúmeras tecnologias. Também não se refere apenas ao uso das técnicas
mais inovadoras de construção. Diversas vezes, inclusive, uma estratégia mais
simples, e por que não dizer, antiquada, pode ser a solução mais adequada.
Trata-se, na verdade, de uma mudança no paradigma que se têm do que significa
um edifício: menos um local onde cada componente é instalado separadamente e
mais como um uma máquina que depende de todo o conjunto para operar
corretamente.
Nesse
ponto é importante fazer a diferenciação de dois outros termos que
frequentemente aparecem como tendo um significado semelhante: os
"edifícios verdes" e os "edifícios de alta tecnologia". A
primeira expressão se refere às construções que possuem como prioridade a
redução de impactos ambientais negativos, tanto na sua construção quanto na
utilização. O campo de estudo da inteligência predial também possui grande
preocupação com esses impactos, porém não se restringe a eles. Pode-se dizer
que um edifício inteligente será também verde, mas um edifício verde não
necessariamente pode ser considerado inteligente. O segundo termo se refere
diretamente à utilização de tecnologia, mais especificamente sistemas de
automação, para o controle e administração predial. Nesse caso não existe a
mesma correlação feita com os edifícios verdes, já que a expressão foi criada
justamente para corrigir a confusão comercial mencionada no primeiro parágrafo,
ou seja, para separar edifícios que apenas possuam recursos tecnológicos
daqueles que são realmente inteligentes.
O
ponto central dentro do campo da inteligência predial é a visão sistêmica. A
importância de se adotar essa visão está na percepção de que, embora se possa
tornar uma edificação mais eficiente com a melhoria individual de seus
sistemas, nenhum deles poderá operar de maneira ideal se não forem consideradas
as maneiras com que se influenciam mutuamente. Como exemplo, podemos considerar
os sistemas AVAC (Sistema de Aquecimento, Ventilação e Ar-Condicionado), que possuem
seu desempenho intimamente relacionado com a arquitetura. Elementos como áreas
envidraçadas, material da cobertura e orientação da fachada possuem influência
direta na quantidade de calor absorvido ou perdido pelo edifício. A otimização
desses elementos implica inevitavelmente na otimização do sistema de
climatização e na redução de seu consumo. A iluminação é outro elemento que
está fortemente ligado à arquitetura, sendo necessário que ambas sejam pensadas
como uma unidade. Ao mesmo tempo a posição das luminárias influência no projeto
elétrico, que por sua vez não pode entrar em conflito com as tubulações de água
e assim por diante. Em algum grau os sistemas estão sempre interligados e
dificilmente haverá um sistema que execute apenas uma função dentro do
edifício. O mais correto é pensar que cada sistema oferece serviços aos demais,
e que cada tarefa é executada pelo conjunto, e não individualmente.
Essa
visão sistêmica implica também na mudança na maneira com que um prédio é
concebido. Ao contrário da maneira tradicional, em que o projeto arquitetônico
é o primeiro a ser executado e sobre ele são aplicados os projetos
complementares, já nos primeiros esboços é necessária a presença de todos os
especialistas envolvidos. O projeto de cada sistema, ao invés de ser executado
de forma independente, deve ser coordenado em harmonia com os demais, com
constante diálogo entre os profissionais. A construção também sofre mudanças,
não apenas por ser coordenada por uma equipe multidisciplinar, mas também por
exigir profissionais capazes de lidar com as sutilezas de um projeto desse
tipo. Por fim, a própria administração do edifício durante a sua utilização
deve possuir essa postura global, com as manutenções sendo executadas lembrando
o quanto cada elemento influência no funcionamento do todo.
O
principal desafio profissional da inteligência predial é, provavelmente, a
necessidade de cada projetista conhecer não apenas o seu campo de atuação, mas
também o dos demais. Naturalmente que não se deseja que seja um especialista em
todas as áreas, o que seria impossível, mas é necessário possuir certo perfil
generalista para um diálogo produtivo com os diferentes campos de atuação
envolvidos. Para além das engenharias, conhecimentos em economia, medicina e
mesmo psicologia também podem ser necessários, já que, acima de tudo, os
edifícios são projetados para serem usados por pessoas e o elemento humano deve
ser prioridade.
Pode-se
dizer que inteligência predial é o futuro da construção civil? Eu diria que já
é o presente. O aumento das populações urbanas implica que somos cada vez mais
dependentes dos espaços construídos. Portanto é necessário modificar a maneira
com que nos relacionamos com eles, tornar essa relação mais consciente e
íntima. Em uma escala mais ampla, essa visão sistêmica permite uma interação
mais harmônica com o ambiente, reduzindo os impactos negativos das edificações
e criando espaços urbanos mais agradáveis e eficientes. É uma mudança de
paradigma inevitável, que deve fazer a expressão "inteligência predial”
voltar a perder força nos próximos anos. Mas dessa vez não por uma mudança de
sentido, mas pelo fato de que todas as construções serão inteligentes.
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